segunda-feira, 22 de junho de 2009

A ficção policial romena está solta?

Em 1934, Agatha Christie já involuntariamente profetizava, em seu romance Murder on the Orient Express, os crimes que viriam a ser perpetrados na Romênia de 1946, a bordo do mesmo famoso e luxuoso trem Expresso Oriente, que ligava Paris a Istambul.

Numa manhã de agosto de 1946, antes de o trem chegar a Bucareste, um dos controladores encontrou, estirado dentro de uma das cabines, um homem morto. Tratava-se de um diplomata suíço, assassinado a golpe de faca na carótida, muito provavelmente enquanto o trem ainda passava pela Transilvânia - não por suspeitarem de algum ataque vampírico, mas porque os detetives calcularam que o ferimento havia sido produzido cerca de 10 horas antes.

Uma semana mais tarde, outro diplomata foi encontrado morto no Expresso Oriente. Dessa feita, um diplomata soviético, cujo assassinato provocou inclusive um protesto oficial da Embaixada da URSS em Bucareste. Causa da morte: golpe mortal na carótida.

No dia seguinte, enquanto a polícia romena já se punha a investigar esse segundo crime, ocorreu um terceiro: mais um diplomata soviético encontrado morto numa cabine do Expresso Oriente, com a carótida cortada. Mistério. Tratar-se-ia de contas por acertar entre espiões internacionais? Não havia quaisquer indícios, e a Embaixada da URSS, ao invés de colaborar, fazia chover protestos sobre o governo romeno.

Como em diversos outros casos e áreas, a realidade, quase sempre, consegue superar a ficção, o que nos muito confunde ao tentar traçar a fronteira entre uma e outra. O dossiê dos crimes supramencionados foram estudados algumas décadas mais tarde por Traian Tandin, policial bucarestino atualmente aposentado, que tem publicado livros em que relata os casos mais curiosos que teve o privilégio de investigar durante sua vida profissional.

Um desses livros inspirou, em 2006, uma série romena de televisão chamada Martor fara voie (Testemunha Involuntária), que contou inclusive com a participação de um personagem brasileiro - um escroque carioca - interpretado por um ator igualmente brasileiro. Muito inocente, aliás, se comparado ao autor dos verdadeiros crimes do Expresso Oriente: um certo Vasile Fronescu, ex-batedor de carteiras promovido a assassino por circunstâncias pessoais e baleado mortalmente numa cabine daquele trem por um comissário de polícia que lhe armara uma emboscada.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Qual é a melhor maionese da Moldávia?

Há quem diga que a cidade de Mahón, capital da ilha espanhola de Menorca, conhecida como Maó em catalão e por um famoso queijo artesanal, leva a fama de ter dado origem e nome à maionese, que teria se difundido pela Europa graças aos franceses, após terem eles invadido as ilhas Baleares no século XVIII.

Fato é que a maionese acabou atingindo alto nível de popularidade no espaço russo no século seguinte. Tudo indica que sua difusão deveu-se em grande parte ao mestre-cuca de origem belga Lucien Olivier, que na década de 1860 foi proprietário de um dos mais badalados restaurantes moscovitas da época, o Hermitage. Atribui-se a Olivier [na foto, sua pedra funerária num cemitério de Moscou] a criação da assim-chamada salada russa, que na própria Rússia é conhecida como salada Olivier. Como bem sabe o leitor, essa salada exige considerável quantidade de maionese.

Espaço russo significa também, desde 1812, Bessarábia, até então tradicional parte integrante do território histórico do principado da Moldávia, localizado entre os rios Prut e Dniester. A russificação, tanto espontânea como planejada, daquela província tzarista mormente habitada por um povo de etnia romena, trouxe previsivelmente consigo hábitos alimentares que incluíam a maionese tão utilizada no cardápio russo.

Ali, essa tendência recentemente culminou na produção de maionese pela fábrica Belmar, antiga indústria de margarina da cidade de Balti, a segunda maior cidade do que hoje em dia constitui a República Moldova.

Em 2008, a firma lançou uma agressiva campanha publicitária em todo o país no intuito de expandir o consumo de sua maionese. A campanha, presente na televisão, cartazes, calendários e outdoors, girou em torno do legendário Lucien Olivier, encarnado nada mais nada menos por um... brasileiro, e que "ressuscita" para revelar, em alto e bom francês, o verdadeiro segredo da salada russa: a maionese Belmar, claro.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Treino é treino e jogo é jogo em Bucareste?

Em Bucareste, jogo é treino. O nível de improvisação é tamanho, que parece que se vive num lugar onde o faz-de-conta é rei. Do parlamento à mercearia da esquina, da companhia de distribuição de corrente elétrica à administração do condomínio, todos parecem nadar, com uma alegria infantil, em torrentes de papéis verbosos, carimbos e assinaturas, como se aquilo, e apenas aquilo, justificasse sua posição. O resto, ou seja, o bom andamento das coisas, fica nas mãos de deus, seja lá qual for, ou da boa sorte de cada um. O fatalismo se infiltra por tudo e por todos, como um reumatismo indolor que faz crescer a audácia dos audazes e aprofundar o medo dos covardes junto com ao menos um grão de desequilíbrio clínico.

A interação com o quotidiano palpável pode ser comparada à leitura de um contrato capcioso: qualquer entrelinha desapercebida ou mal interpretada pode significar o início de uma infindável tragédia pessoal. Nessa grande improvisação coletiva, parecem sempre ganhar os maliciosos, os espertalhões, os que se lançam lubricamente nos movimentos internos da sociedade, os mais ardilosos atrevidos, ao passo que perdem - nesse jogo com toda a cara de treino - os prudentes, os apolíneos, os inflexíveis que não conseguem sambar nesse ritmo de temerários. Esse quadro, quero acreditar, no entanto, é no final das contas o retrato - alçado a uma valência incomum - da sociedade humana em geral; quadro que impõe a catalogação de cada indivíduo conforme uma inclemente dicotomia: tolo ou trapaceiro.

A própria cidade, construída sobre um terreno arenoso exatamente na linha de reverberação da mais importante falha tectônica da Europa Oriental, é a materialização dessa profunda desconsideração pelo imanente: terremotos engoliram e continuarão engolindo seus prédios, sua história, seus habitantes.

Espetáculo em que a coragem é apresentada com grosseria, em que a famosa frase de O Príncipe de Maquiavel (retrato) é aplicada com agressiva ostentação exclusivamente em prol do interesse pessoal e jamais do comunitário, essa manifestação bucarestina se traveste com freqüência de sentimento de vítima e de uma gosmenta bajulação: quem não estiver tentando tirar proveito imediato de você, estará se queixando de sua própria sorte ou tratando de seduzi-lo hoje para uma eventual utilização amanhã.

Isso não ocorre, pelo menos com tanto vigor, em outras regiões do país. O transilvano moroso ergue casas de pedra, que não permitem a improvisação. Lá, jogo é jogo. O moldavo inventivo e poético não conhece a perversidade de enganar. Lá, treino é treino. O romeno, em geral, interessa-se com profundidade pelo seu interlocutor, vai além, ultrapassa as aparências, onde jogo e treino se misturam, se perdem e são desprezados.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Drácula beberia espumante romeno?

Essa pergunta merece ainda duas: Que Drácula? Que espumante?

Se estivermos falando do Vlad Tepes, Príncipe da Valáquia, o temido governante romeno que deu origem à lenda do Drácula, é fácil responder, pois, assassinado em 1476, ele infelizmente jamais teria tido a ocasião de umedecer seus lábios numa taça de espumante, bebida que começou a ser desenvolvida só a partir do século XVII, salvo erro.

De maneira que não poderíamos estar falando de nenhum outro a não ser o imorredouro Conde Drácula, sofisticado nobre de origem szekler, também conhecido como Conde Orlok, anfitrião do agente imobiliário inglês Jonathan Harker em seu castelo no meio dos Cárpatos, entre a Transilvânia e a Bucovina, conforme o romance de Bram Stoker – que jamais pisou na Romênia.

Aí então nos deparamos com a segunda pergunta: que espumante?... A Romênia é tradicional fabricante de vinho, desde épocas imemoriais, que remontam ao mito de Dionísio (foto), deus do vinho - personagem que, aliás, nasceu nestas terras, às margens do Mar Negro, o vizinho que tem provado ser o mais tranqüilo e confiável para os habitantes deste país.

As vinícolas romenas são numerosas, espalhando-se por todo o país: ao longo do Danúbio, perto do Mar Negro, na Transilvânia, no Banat, na Moldávia. Uma das vinícolas mais antigas, por exemplo, na cidade de Panciu, na Moldávia, produz uma espumante muito apreciada, em conformidade com o método champenoise. Tendo em vista que Panciu dista apenas uns 300km do castelo do Conde Drácula, quero acreditar que sim, ele beberia espumante romeno - durante o dia, bem entendido, pois à noite ele corre atrás de líqüidos ainda mais preciosos...